quinta-feira, 21 de março de 2024

Planeta B (Dia Mundial da Poesia)


 PLANETA B

Será que alguém precisa lhe dizer?

Não existe um planeta B

Será que alguém precisa lhe dizer


Existe carro de montão

Computador e avião

Existe fábrica na América

Na China, na Nigéria


De montão existe plástico

Remédio, droga e TV

Existe arma e preconceito

Luta de classes e religião


Existe jogo de montão

Desejo, dinheiro e alienação

Telefone, açúcar, álcool

Machismo e ostentação


Muito agrotóxico e veneno

Colesterol e infecção


O capital só tem plano A

Que é: lucrar lucrar lucrar

O socialismo aonde está?

No ar, no ar, no ar

(Letra e música por Carlos Albani - Inventor do Vento)

Dante & Mallarmé

Ó Suma Luz que tanto, dos errantes

mortais, te elevas, ora à minha mente
um pouco reapareças como dantes,

e faças minha língua tão potente
que uma centelha apenas de tua glória
possa deixar para a futura gente;

...

À fantasia foi-me a intenção vencida;
mas já a minha ânsia, e a vontade, volvê-las
fazia, qual roda igualmente movida,

o Amor que move o Sol e as mais estrelas.

(Trechos do Canto 33 do Paraíso da Divina Comédia de Dante, 1321, traduzido por Italo Eugenio Mauro).


Seria
pior
não
mais nem menos
indiferentemente mas tanto quanto.
(SERIA, Mallarmé, arte por Merse,
tradução por Fauno, antes de 1898).

#poesia #tradução #simbolismo #mallarmé




terça-feira, 19 de março de 2024

O Fim do Verão (Eugénio de Andrade)


No Fim do Verão

No fim do verão as crianças voltam,
correm no molhe, correm no vento.
Tive medo que não voltassem.
Porque as crianças às vezes não
regressam. Não se sabe porquê
mas também elas
morrem.
Elas, frutos solares:
laranjas romãs
dióspiros. Sumarentas
no outono. A que vive dentro de mim
também voltou; continua a correr
nos meus dias. Sinto os seus olhos
rirem; seus olhos
pequenos brilhar como pregos
cromados. Sinto os seus dedos
cantar com a chuva.
A criança voltou. Corre no vento.

Eugénio de Andrade, 'O Sal da Língua' (1995)


sábado, 16 de março de 2024

Dia do Livro Independente (16M)

 

ENCANTAMENTO PARA DIAS SEM VENTO
Levanta a saia da vida – moça bonita, mas tão traiçoeira
Sopra as barbas do tempo: matá-lo antes que ele nos mate
Descabela a peruca da riqueza
(Exceto se for a riqueza de espírito)
Afaga o rosto das crianças, sorri com elas e chora também
Quando a fome bater, em noites sem vento e se sentir sozinho
Ladra com os cães
Pois
Não só no ar está a força divina
Pergunta sem medo:
É a ave quem se deixa levar pelo vento ou é por causa dela que ele sopra?
Brisa assim o amor logo que deixarem a janela aberta
Roda o mundo
No bafo de menta da jovem na escola
Não há abrigo para qualquer tempestade que não esteja na própria tempestade!
Pois então sopra quando o vento sorrir
Para cavalgar o vento – No dia fora do tempo
E ventila assim o inferno geral
em que
estamos
metidos.
(Carlos Albani - Inventor do Vento)

quarta-feira, 13 de março de 2024

Como meditar

 


Como meditar


-luzes apagadas-

cair, juntar as mãos, num instante

êxtase como uma dose de heroína ou morfina

a glândula interna do meu cérebro se descarrega

o perfeito fluído alegre (Santo Fluído) quando

faceiro fixo todas as partes do corpo

em um transe de imobilidade – Curando

todas minhas fraquezas – esquecendo de tudo – nem

sequer um pedacinho de uma “Expectativa” ou um

lunático balão inflado resta, só a mente

em branco, calma, sem pensamentos. Quando um pensamento

brota chegando de longe, manifesta

presença de uma imagem, devo enganá-lo e jogá-lo fora

tirar isso da frente, driblá-lo, e ele

some, e o pensamento nunca volta – e

com alegria compreendo pela primeira vez

Pensar dá no mesmo que não pensar”

Assim não tenho que ficar pensando em

nada

mais.


(Jack Kerouac, 1967)

Tradução: Inventor do Vento




quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Brad Pitt

 

Esta semana me encontrei com Brad Pitt ao menos umas duas vezes. Primeiro lembrei dele no filme “O curioso caso de Benjamin Button” e olhei de novo. Depois, ele me veio, em músculos e coxas e outras delícias, nos créditos como o produtor do filme do Bob Marley: “One Love”. 
Fiquei, claro, com inveja de Brad, há 30 anos no topo da indústria cultural, multimilionário, sem mais pra onde subir, galardoado, inclusive, com o coração das mulheres mais lindas (Jennifer e Angelina, por exemplo), envolvido em projetos onde eu mesmo gostaria de estar.
Quem não gostaria de encenar um dos contos mais delicados da literatura mundial? Ou a vida de um dos músicos mais ouvidos do mundo? Quando até quem não gosta de dread, ganja, desconhece o mapa da América Central, vai ao cinema porque se emociona com suas músicas.
E o Brad, que danado, se enfia em minha vida assim, do nada, sem sequer pedir “com licença, camarada”, “por favor, meu irmão”, sem dizer: “quem sabe, nas férias, ainda leio um livro teu"; "ouço uma das tuas músicas”. Até uma zoação cairia bem, que fosse: “levo tua mulher embora comigo”.
Bom, daí eu pensei “que bobagem essa minha vaidade”, pois eu leio os mesmos livros que o Brad (do Scott Fitzgerald, da Anne Rice, por exemplo), as mesmas músicas que ele (reggae, por exemplo). Amo até as mesmas mulheres que ele (Jennifer e Angelina, por exemplo). E se ele conhecesse as que eu conheci ele as amaria também.
De quebra, só saio desses pensamentos inúteis, despertado, também do nada, por Roberto, que me chama: “Professor, lembra de mim? Quanto tempo! Já faz cinco anos". E Roberto relembra o quanto uma simples aula de História lhe fazia feliz, antes da pandemia. Agora, ainda não formado, produz e vende chocolates e outros doces, sob encomenda. Certamente ele conhece o Brad Pitt também. Porque viu “Tróia”, a carnificina grega, lembro de falarmos desse filme numa aula sangrenta sobre as guerras.
Mas Brad nunca ouviu falar de Roberto. Muito menos Brad conhece o bairro onde aconteceram as nossas aulas, nos rincões do Gravata/Ó. E assim me sinto inspirado para entender as diferenças positivas entre eu e o Brad. 
Além, é claro, da beleza, estou convicto que Brad não sabe nada da vida anônima dos rincões do Gravata/Ó. Talvez um pouco dos rincões do Cambodja, da Namíbia e da Etiópia, levado a marra por Angelina. Mas não conhece nada daqui. Já qualquer pessoa, do Gravataí, do Gravata/Ó e do Cosmos, com um celular na mão, sabe da vida dos famosos do mundo inteiro, num toque, do Brad, da Brenda, dos Walsh. 
Bem, voltei pra casa motivado pela minha própria sabedoria e me pus a dormir. Sonhei com quem? Com o Brad. Brad Pitt. Sem camisa, cabeludo, interpretando a minha vida num dos seus próximos filmes.
Vuuush 



quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Oración a la maestra

 


A ORAÇÃO DA MESTRA


Senhor! Tu que ensinaste, perdoa que eu ensine; que leve o nome de mestra, que Tu levaste pela Terra.

Dá-me o amor único de minha escola; que nem a queimadura da beleza seja capaz de roubar-lhe minha ternura de todos os instantes.

Mestre, faz-me perdurável o fervor e passageiro o desencanto. Arranca de mim este impuro desejo de justiça que ainda me perturba, a mesquinha insinuação de protesto que sobe de mim quando me ferem. Não me doa a incompreensão nem me entristeça o esquecimento das que ensine.

Dá-me o ser mais mãe que as mães, para poder amar e defender como elas o que não é carne de minha carne. Dá-me que alcance a fazer de uma de minhas crianças meu verso perfeito e a deixar-lhe cravada minha mais penetrante melodia, para quando meus lábios não cantem mais.

Mostra-me possível teu Evangelho em meu tempo, para que não renuncie à batalha de cada dia e de cada hora por ele.

Põe em minha escola democrática o resplendor que se discernia sobre tua roda de meninos descalços.

Faz-me forte, ainda em meu desvalimento de mulher, e de mulher pobre; faz-me desprezadora de todo poder que não seja puro, de toda pressão que não seja a de tua vontade ardente sobre minha vida.

Gabriela Mistral (1889-1957)
Tradução de Maria Teresa Almeida Pina
#poesia #gabrielamistral #educação